sábado, 27 de outubro de 2007

Treze

Nem só de mesquinharia e auto-desprezo vive um homem, entretanto. Lembrei-me agora de outra história, que envolve também uma ex-namorada (sim, sempre elas). Flávia fora uma das primeiras mulheres da minha vida. Eu era novo, ela um pouco mais, e dessa maneira nos entendíamos.
Nosso namoro era diferente do que eu tinha com Clara, era um namoro de casa de pais, passeios em shoppings e cinemas a tarde, mas dentro de nossa ingenuidade, nos dávamos bem.
Eu era um cara diferente para ela. Vinha de outra cidade, era um pouco mais velho (já estava na faculdade e ela saindo do segundo grau), tinha uma banda, uma postura diferente dos caras que a cercavam. Além da inteligência e da beleza de sempre, óbvio.
Nesse contexto, vivemos por volta de dois anos, dois anos e meio juntos, porém, um dia acabou. Até certo ponto, a coisa toda ocorreu de maneira civilizada. Ela trouxe minhas coisas que estavam na casa dela, como algumas roupas, que deixava lá para os fins de semana, alguns livros, filmes, e outras bugigangas mais que se acumulam ao longo do tempo na nossa vida.
Depois disso, ela me ligou algumas muitas vezes, pedindo para voltar, mas eu estava resoluto. Não adiantava, a coisa toda não iria rolar, e era um erro insistir, mas ela não enxergava isso, e eu compreendia, já estive do outro lado da moeda, por isso, procurei ter toda a paciência do mundo.
Certo dia, em um telefonema dela, lhe disse que me relacionava com outra pessoa. Na época, não era nada sério, mas ela não quis saber, simplesmente desligou o telefone, resolvida a sumir da minha vida. Em um primeiro momento, fique aliviado, pois os telefonemas pararam, e certa paz veio à minha vida.
Pouco tempo depois, já psicologicamente preparado, fui abrir as caixas que ela trouxera com minhas coisas. Tirando tudo de lá, sento falta de algo: meus discos do Elvis. Aí não!

You can do anything but lay off of my Blue suede shoes.

Resolvi dar algum tempo para a poeira baixar, depois iria atrás de meus discos, porém nesse meio tempo, Flávia começara uma verdadeira campanha interna de ódio à minha pessoa, como mudar de lado na calçada ao cruzar comigo na rua. Pelo que eu soubera através de terceiros, ela achava que eu a tinha traído, além de não suportar a dor da rejeição, ou algo do tipo.
A verdade, é que ela gostava ainda de mim. E não digo só pelo que eu acho, várias outras pessoas que nos conheciam diziam o mesmo. Complicado, mas o que eu podia fazer? Deixar de lado o que eu sentia e me anular? Não, não estava nos meus planos...
Por uma ironia do destino, a encontrei numa parada de ônibus numa noite qualquer. Após titubear alguns instantes, fui falar com ela:
- Flávia...
Ela virou o rosto, como se eu não estivesse ali.
- Escuta – disse calmamente – preciso falar contigo.
- Eu não tenho nada pra falar com você! – latiu ela.
Olhando firmemente pra ela, e falando de uma maneira séria, insisti:
- Se quiseres que todos aqui no ponto também ouçam, você quem decide.
Percebendo que eu falava sério, ela deu alguns passos para trás e começou a prestar atenção.
- O que você quer? – ela vociferava pelos olhos.
- Quero os meus discos de volta – resolvi ir direto ao ponto. Educação e bom senso não seriam muito apreciados no momento.
- Não tem mais – se expressar não era uma das qualidades dela, ou talvez apenas estivesse nervosa ou desnorteada. Se bem que ela sempre fora um pouco tímida.
- Como não tem mais?
- Não tem mais. Eles não estão mais comigo.
Eu não podia acreditar.
- E onde eles estão Flávia? – eu quase berrava.
- Eu doei, junto com algumas outras coisas suas que ficaram lá em casa.
Nem lembrava das outras coisas, então não me fariam falta, agora, os discos... alguns eram importados, nem se achava no Brasil.
- Você não podia ter feito isso...
Reunindo todo o desprezo e o prazer que só a maldade e a vingança executada podem dar em um só olhar, ela falou:
- Mas eu fiz...
Fui embora.
Eu precisava fazer alguma coisa, nem era pelos discos, mas pra não deixar barato. Eu tinha sido o mais sincero possível com ela, e tinha sido vítima de um golpe baixo, muito baixo.
Meu desejo não tardaria a se cumprir.
Outra noite da vida (sim, a noite é mágica e nos suga, nos puxa, e não larga), passo em frente a um bar conhecido, quando a vejo lá dentro, sentada em uma mesa sozinha.
Era hoje!
Entrei no bar, e antes que ela pudesse ir embora, me sentei em sua mesa:
- Flávia...
Ela ameaçou levantar, quando eu segurei sua mão e disse:
- Preciso falar contigo. É muito importante.
Ela nada disse, apenas ouvia. Olhei bem no fundo de seus olhos. Seria um golpe de mestre, um cheque mate na desvantagem de peças.
- Andei pensando esse tempo todo, na minha vida, nas coisas que aconteceram, em nós...
Os olhos dela cresceram. Segurei as duas mãos dela, me inclinei para a frente.
- E... milhares de dúvidas perpassam minha cabeça, mas uma coisa ficou clara pra mim. Quero você de volta.
Não é que a boca dela abriu, foi seu queixo quem despencou.
- N-n-n-nando... é verdade?
Levantei. Juntei toda a ironia e sarcasmo possível e falei:
- NÃO!

Amanhã acordaria de ressaca, mas acordaria feliz.

4 comentários:

Anônimo disse...

perverso, muito perverso.

;)

Cibele disse...

"desligou o telefone, resolvida a sumir da minha vida."

a história sempre é cíclica.

Kindex disse...

hehe, divertido

não gostei do DOZE
sou ignorante em literatura, e não fez muito sentido pra mim.
haha

Kindex disse...

Porra, vc é BURRO?
continua postando!
animal
hehe

abraço!