quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Nove

Dava pra notar na voz dela que estava alterada, mas não demonstrava estar sentindo falta. Fiquei novamente vários dias sem falar com ela. Clara tinha a qualidade maravilhosa de ser orgulhosa, e dificilmente abrir mão do que pensava e do que colocava em sua cabecinha. Compreendia isso nela, respeitava e admirava, mas só eu sabia o quanto isso era difícil pra mim.

Indo ao trabalho numa certa manhã, encontro na rua Suzana, uma amiga em comum minha e de Clara.

- Campe! Quanto tempo cara!

- Pois é Su! Tenho passado uns dias meio estranhos, daí tenho preferido ficar em casa.

- É a Clara?

- ... também...

- Eu falei com ela esses dias. Ela tá bem, me contou o que houve...

- Ela falou tudo?

- Eu acho que sim.

- Ela não podia ter rido de mim daquele jeito.

- Foi só a risada Campe?

- Lógico que não, complicou tudo, mas não foi só isso. É a questão de eu quere que ela more comigo também.

- Mas ela não quer!

- Eu sei, por isso resolvi me afastar dela. Não tenho mais ligado, nem falado com ela. E ela, bem... tu sabes que ela também não faz isso.

- É, a conheço muito bem. Mas acho que cada um está certo dentro do seu ponto de vista. Ela não quer, foi sincera, tu também, e resolveste te afastar. Vamos fazer o que né?

- É Su... Eu ainda gosto muito dela.

- E ela de ti Campe.

- Mas aquilo tava me fazendo mal.

- Então. Repito: vocês estão certos.

- É. Tenho que ir, senão me atraso...

- Tá Campe. Vamos tomar uma cerveja uma hora dessas, não te isoles em casa!

- Pode deixar Su!

Nos abraçamos e seguimos nossos caminhos. Alguns dias depois, no bar, Amanda me chama:

- Campe! Telefone pra ti!

- Obrigado querida! – pego o telefone - Alô?

- Campe? É a Su.

- Oi! Diga!

- To preocupada com a Clara...

- Por que? O que aconteceu?

- Olha, lembra aquele dia que nos encontramos?

- Sim...

- Eu menti pra você. Ela não estava bem. Tava a cada dia cheirando e bebendo mais. Desconfio que estivesse usando outras coisas também...

Comecei a me preocupar também. Clara, por ser uma pessoa tão forte, quando se afundava, ia com tudo.

- E por que não me disse isso aquele dia Su?

- Eu vi que não estavas bem, não queria piorar as coisas pra ti.

- Porra Su! Quando tu falaste com ela?

- Faz uns dois dias. To tentando desde ontem a noite ligar pra ela, mas ninguém atende nem no apartamento nem no celular. O porteiro do prédio disse que viu ela entrar ontem a tarde, com sacolas cheias de bebida, e ela não saiu mais.

- E do que tens medo Su? Sabe como ela é. Quando não quer, não fala, não dá sinal de vida, some...

- Eu sei Campe, mas ela estava com umas conversas muito estranhas ultimamente...

- Que tipo de conversas?

- ...

- Fala Su! Que caralho!

- Nada não Campe, esquece. Deve ser coisa da minha cabeça mesmo. Tu tens que voltar ao trabalho né? Tchau!

- Não Su! Espera...

Ela desligara o telefone. O bar estava enchendo, não podia retornar a ligação. Algo dentro de mim me espetava e incomodava. Eu precisava falar com Clara. Não me importando com o movimento, liguei para o celular dela. Caixa postal. Liguei para o apartamento. Ninguém atendia.

Estava com um péssimo pressentimento. Precisava ir lá. Tirei meu avental, larguei minhas coisas na minha gaveta, falei para meu chefe que era um caso de vida ou morte e sem esperar a resposta dele, eu fui.

Corri as oito quadras que separavam o bar do apartamento de Clara. Cheguei na portaria, recobrei o fôlego e avisei ao porteiro que iria subir. Como ele já me conhecia, nada disse, apenas assentiu com a cabeça. Subi os dois lances de escada e bati na porta do apartamento. Eu tinha a chave ainda, mas não me sentia no direito de usá-la:

- Clara! Sou eu, abre!

Um silêncio absoluto reinava dentro do apartamento. Soquei a porta algumas vezes:

- CLARA!!

Algo dentro do meu peito me angustiava e sufocava, meu Deus, eu preciso vê-la, saber que tudo está bem, essa neurose do caralho corria pelo meu corpo transformando meu sangue em água, ou qualquer outra coisa do gênero. Não tinha opção, iria usar a chave.

Abri a porta, entrei na sala:

- Clara? Estou entrando. Preciso falar contigo.

Fui até a cozinha e vi.

Na pia, latas de cerveja, garrafas vazias, nenhum sinal de comida. Na mesa, uma seringa ao lado de uma colher queimada e uma vela. Junto a isso, duas carreiras preparadas, ao lado de uma nota de cinco enrolada, com duas garrafas de conhaque, uma aberta e um terço consumida. E no chão, o corpo de Clara, com as veias abertas, que esvaíram o sangue dela, que jazia coagulado no chão escuro da cozinha. Perto dela, a faca que usada para a sua libertação.

Peguei a nota de cinco, enrolei melhor, acabei com as duas carreiras, guardei a nota no bolso e levei as duas garrafas.

Nunca entendi o porque.

Clara, Clara...

Por tua causa, tomei um porre de conhaque.

3 comentários:

terrenobaldio disse...

ah, eu gostava da clara, tu não tinhas o direito de fazer isso com ela. seu bobão
blurrr

e o campe hein? acho que ele tem sérios problemas alcoólicos, hahahaha

;)

Cibele disse...

tá mto bom isso aqui.

Kindex disse...

creepy