segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Sete

Esse clima todo nostálgico com a visita à Sal, me fez relembrar vários episódios da minha vida. Entre eles o de Clara.

Clara foi minha namorada durante algum tempo importante na minha vida, assim como todos os tempos são quando passam em nossa vida. Clara era uma mulher fascinante. Consciente de sua feminilidade e beleza, inteligente, cheirosa, tinha um sorriso estatuante, um olhar de manhosa quando acordava, bebia bem e trepava melhor ainda. Quantas noites não nos resguardamos em nossa cama, loucos, inebriados e apaixonados, unidos apenas por nossa carne quente e fraca.

Com ela houve aquela utopia nonsense e maravilhosa de se querer estar junto para sempre, dividindo um mundo inteiro, e duas vidas esfarrapadas.

Clara era minha vida.

Certo final de tarde cheguei à sua casa com quatro garrafas de vinho, era inverno, e faria uma sopa para nós. Enquanto eu cozinhava, ela sentava comigo na cozinha e conversávamos, ao sabor das cervejas que haviam sobrado de outra epopéia íntima que vivêramos. Falávamos sobre Hollywood, Kerouac, Branca de Neve, Santiago do Chile, Marx, Rolling Stones, o que quer que aparecesse, enquanto nossas mentes se enchiam de cerveja e nossos corpos de desejos infindáveis, que se perdiam e se reencontravam em nossas veias e terminações nervosas. Muitas vezes eu não chegava a terminar o preparo da comida, íamos para a cama e ficávamos lá até a manhã seguinte, quando íamos beber nosso vinho.

Nunca disse à Clara que ela era minha vida.

Entretanto, ela nunca me perguntara nem pedira algo desse calibre, nossas liberdades fundiam-se aos nossos sentimentos, e eram quase plenos. Às vezes Clara ficava dias sem aparecer, sem dar sinal de vida, e eu, em minha agonia surda, ficava calado, apenas esperando. Não telefonava, não ia atrás, apenas me continha em aguardá-la.

Certa noite, na cama, eu estava deitado ao lado dela, de barriga para cima e com as mãos embaixo da cabeça. Ela, sentada ao meu lado, acendia um cigarro, e iluminava fracamente o quarto com a chama do isqueiro. Eu ainda tinha seu gosto em minha boca, e o cheiro pragmático de sua pele chegava em minhas narinas ocas, despertando em mim o desejo de levantar, abraçá-la e mordê-la, mas como muitas outras vezes me contive e falei:

- Clara...

- Diga.

- Podes me alcançar a cerveja?

- Claro...

Ela me entregara a garrafa, da qual eu tomei um longo gole para ver se a coragem não estava naquela garrafa.

Não estava.

Levantei e me sentei na cama, soltei um sonoro arroto e retornei à posição inicial.

- Clara...

- Hum?

- Tem uma coisa que eu to querendo te perguntar faz um tempo já.

- Pois pergunte oras!

Seu cheiro era inebriante, sufocante, extremamente excitante.

- Eu não sei como vais receber isso.

- Querido – ela passava a mão no meu cabelo – só vais saber se me perguntar, não é?

“CASE-SE COMIGO”, berrei dentro da minha cabeça, pra mim mesmo. Como minha boca não teve a mesma coragem, resolvi tomar mais um gole de cerveja. Me sentei na cama, de frente pra ela.

- E então, vai perguntar ou não?

- Clara, tu sabes o quanto eu gosto de ti...

- E eu de ti!

- ... e de estar, conversar, beber contigo...

- Sim, e sabes que a recíproca é verdadeira – disse ela com um pequeno sorriso desenhado nos lábios grossos e curtos.

- Eu andei pensando muito, muito em tudo isso, e queria saber se por um acaso... – as palavras não saíam.

- Por um acaso?

- ... nem que fosse por um tempo para testarmos, e tal, se tu gostaria de vir morar comigo?

Ela não respondera. Pusera o cigarro na boca, dera uma tragada, na ponta do cigarro um pequeno sol tomava vida na brasa. Fora uma longa tragada. Ela tirara o cigarro da boca.

E gargalhou.

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