O dono do mercado levantou os braços e fez uma cara que mais demonstrava raiva que medo.
- Muito bem bigode! Fica quietinho que não dá nada!
Enquanto Ernesto mantinha o cara na mira, Paco recolhia o dinheiro da caixa registradora, rapidamente. Terminado isso, ele virou-se e precipitou-se para a porta, quando ouviu a voz que veio de trás dele:
- Quando a gente acabou com os comunistas no porão, devia ter matado os vagabundos que nem vocês junto! – e então Paco ouviu o tiro.
A coisa toda aconteceu em segundos, mas para ele foi uma eternidade.
Após ouvir o tiro, Paco olhou para Ernesto caindo de joelhos, com uma mancha vermelha no peito. Instintivamente, virou-se e viu o dono do local com uma arma na mão.
E Paco atirou uma vez.
Duas vezes.
Três vezes.
Com o impacto dos tiros, os braços do bigode levantaram-se e ele foi de costas contra o armário atrás dele. Como acontece nessas horas, os pensamentos de Paco estavam lúcidos e rapidíssimos, e ele pensou em olhar nos olhos do outro. Se lembrou das palavras de Cujón, e resolveu não olhar. Porém, a curiosidade humana é mais forte que a consciência.
Paco olhou nos olhos do homem no qual ele atirara. E entendeu.
Eram olhos cheios de desespero e raiva, e todo o seu rosto se contorcia nitidamente não por dor, mas por ódio, como se o dono deles pudesse voltar do inferno para buscar aquele que lhe matou.
Paco virou-se e saiu correndo do local.
Depois do comentário dela, ele não conseguiu dizer nada. Pensou em justificar-se, dizer alguma coisa, mas, além de não ter o que dizer, não devia nada disso a ela.
- Não acho que preciso de terapia.
- Não sou eu nem o senhor que vamos decidir isso, seu Paco.
- Paco.
- Perdão senhor?
- Apenas Paco, não devo ser muito mais velho que você. Não faço questão da polidez... Você não me disse seu nome.
- Isadora senhor, e eu não faço questão da intimidade.
Ela pegou pesado, e percebeu. Ele não estava dando em cima dela, estava apenas tentando buscar alguma espécie de contato humano, e só então a enfermeira entendera isso.
- Desculpe senhor, às vezes nós temos que ser assim porque algumas pessoas se excedem, mas não é o seu caso.
- Tudo bem Isadora, eu entendo.
Ela olhou para ele, que estava com a cabeça baixa, e notou seus olhos mareados.
Enquanto corria, Paco tirou seu capuz, tirou o dinheiro do saco plástico, colocou as notas de qualquer maneira no bolso e atirou o resto num lixo qualquer pela rua. E os olhos não saíam de sua cabeça.
Começou a andar, e entrou em um bar. Precisava tomar alguma coisa.
- Me dá uma dose de doze anos – pediu ele, sentando no balcão.
Ao chegar a dose, ele virou.
- Outra!
Nessa ele foi mais devagar, porém aquela primeira, junto com tudo que passava na sua cabeça, começaram a subir no seu estômago. Mal dando tempo de chegar à privada, Paco colocou pra fora todo o conteúdo do seu estômago, junto com a bile que estava lá. Ele tossia, seus olhos lacrimejavam e a garganta ardia.
Ele queria morrer.
Acostumada às mais diversas reações, a princípio Isadora não se incomodou com aquelas lágrimas, mas a conversa deles começou a vir toda em sua cabeça e ela se sentiu culpada por aquilo. Não era, mas ela não sabia.
- Seu Paco...
- ...
- Alguma coisa que eu possa fazer pelo senhor?
Levantando o rosto, seco e sem sinal algum de algo que pudesse ter acontecido, ele respondeu de maneira firme:
- Por enquanto eu creio que não, Isadora, obrigado.
- Se o senhor precisar, toque a campainha, virei rapidamente – disse ela saindo.
Quando a enfermeira chegou até a porta, abriu-a e, quando estava para sair, ouviu Paco dizer:
- Isadora... Como eu vim parar aqui?
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