sábado, 12 de julho de 2008

Vinte - Paco 02

O dono do mercado levantou os braços e fez uma cara que mais demonstrava raiva que medo.

- Muito bem bigode! Fica quietinho que não dá nada!

Enquanto Ernesto mantinha o cara na mira, Paco recolhia o dinheiro da caixa registradora, rapidamente. Terminado isso, ele virou-se e precipitou-se para a porta, quando ouviu a voz que veio de trás dele:

- Quando a gente acabou com os comunistas no porão, devia ter matado os vagabundos que nem vocês junto! – e então Paco ouviu o tiro.

A coisa toda aconteceu em segundos, mas para ele foi uma eternidade.

Após ouvir o tiro, Paco olhou para Ernesto caindo de joelhos, com uma mancha vermelha no peito. Instintivamente, virou-se e viu o dono do local com uma arma na mão.

E Paco atirou uma vez.

Duas vezes.

Três vezes.

Com o impacto dos tiros, os braços do bigode levantaram-se e ele foi de costas contra o armário atrás dele. Como acontece nessas horas, os pensamentos de Paco estavam lúcidos e rapidíssimos, e ele pensou em olhar nos olhos do outro. Se lembrou das palavras de Cujón, e resolveu não olhar. Porém, a curiosidade humana é mais forte que a consciência.

Paco olhou nos olhos do homem no qual ele atirara. E entendeu.

Eram olhos cheios de desespero e raiva, e todo o seu rosto se contorcia nitidamente não por dor, mas por ódio, como se o dono deles pudesse voltar do inferno para buscar aquele que lhe matou.

Paco virou-se e saiu correndo do local.



Depois do comentário dela, ele não conseguiu dizer nada. Pensou em justificar-se, dizer alguma coisa, mas, além de não ter o que dizer, não devia nada disso a ela.

- Não acho que preciso de terapia.

- Não sou eu nem o senhor que vamos decidir isso, seu Paco.

- Paco.

- Perdão senhor?

- Apenas Paco, não devo ser muito mais velho que você. Não faço questão da polidez... Você não me disse seu nome.

- Isadora senhor, e eu não faço questão da intimidade.

Ela pegou pesado, e percebeu. Ele não estava dando em cima dela, estava apenas tentando buscar alguma espécie de contato humano, e só então a enfermeira entendera isso.

- Desculpe senhor, às vezes nós temos que ser assim porque algumas pessoas se excedem, mas não é o seu caso.

- Tudo bem Isadora, eu entendo.

Ela olhou para ele, que estava com a cabeça baixa, e notou seus olhos mareados.



Enquanto corria, Paco tirou seu capuz, tirou o dinheiro do saco plástico, colocou as notas de qualquer maneira no bolso e atirou o resto num lixo qualquer pela rua. E os olhos não saíam de sua cabeça.

Começou a andar, e entrou em um bar. Precisava tomar alguma coisa.

- Me dá uma dose de doze anos – pediu ele, sentando no balcão.

Ao chegar a dose, ele virou.

- Outra!

Nessa ele foi mais devagar, porém aquela primeira, junto com tudo que passava na sua cabeça, começaram a subir no seu estômago. Mal dando tempo de chegar à privada, Paco colocou pra fora todo o conteúdo do seu estômago, junto com a bile que estava lá. Ele tossia, seus olhos lacrimejavam e a garganta ardia.

Ele queria morrer.



Acostumada às mais diversas reações, a princípio Isadora não se incomodou com aquelas lágrimas, mas a conversa deles começou a vir toda em sua cabeça e ela se sentiu culpada por aquilo. Não era, mas ela não sabia.

- Seu Paco...

- ...

- Alguma coisa que eu possa fazer pelo senhor?

Levantando o rosto, seco e sem sinal algum de algo que pudesse ter acontecido, ele respondeu de maneira firme:

- Por enquanto eu creio que não, Isadora, obrigado.

- Se o senhor precisar, toque a campainha, virei rapidamente – disse ela saindo.

Quando a enfermeira chegou até a porta, abriu-a e, quando estava para sair, ouviu Paco dizer:

- Isadora... Como eu vim parar aqui?

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