domingo, 23 de agosto de 2009

Vinte e sete - O reencontro.

Pela primeira vez, fui ver o túmulo de Clara. Parei à certa distância dele, talvez por um pouco de vergonha, medo da minha reação, ou de não saber o que fazer. Resolvi falar com ela.

"Oi. Desculpe não ter vindo antes, acho que eu não aguentaria, tu sabes o quanto eu sou fraco. Tiveram várias coisas que eu não entendi, e pelas quais senti raiva de ti por muito tempo, mas agora, elas estão sarando.

Vou viajar, correr mundo. Parei e pensei muito. Eu mudei por tua causa. Não que tenhas me pedido isso, mas mudei pensando que gostarias mais de mim, quando no fundo você me preferia do jeito que eu era. Se ainda estivesses aqui, eu poderia te dizer que iria voltar a ser o que era, mas estaria mentindo. Porra, não dá pra voltar a sermos o que éramos! Podemos melhorar ou piorar, mas sermos iguais, nunca mais...

Espero não estar te enchendo o saco. Sinto saudades. Ainda não entendi o que aconteceu, mas pelo menos não tento mais. O porre que tomei aquele dia foi um dos piores da minha vida. Conhaque. Estou diminuindo na bebida. Não muito, mas aos poucos vai dando certo.

Clara, onde quer que estejas, espero que esteja bem. Sinto sua falta, muito."


Aproximei-me. A foto no túmulo era linda, mas era apagada. Coloquei ali a rosa que eu trouxe. Clara nunca gostou de flores, mas eu não saberia mais o que trazer. Ela entenderia minha intenção.

Virei-me de costas, pronto para partir. Uma lágrima teimosa escorreu rosto abaixo. Iria sem olhar para trás.

E fui.

Mas olhei uma vez.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Vinte e seis

Estávamos eu e Clara a beber uma noite qualquer no apartamento dela, eu, com o bom e velho Cutty Sark com água e ela, vodka. De repente, a campainha toca. Clara levanta e abre a porta, era sua amiga Lúcia, aos prantos:
- Clara! O Fábio me deixou!
Lúcia era uma moça com o famoso “fogo no rabo”. Não que eu seja algum tipo de moralista, mas Lúcia realmente não era muito presa a nada. Ela namorava com o tal do Fábio há tempos, e mantinha vários outros casos por tabela. Eu até imaginava o porque de eles terem terminado. Como eu falei, não sou um promovedor dos bons costumes, mas tem coisas que a gente entende nos outros. Para Clara, era apenas vontade de viver em demasia, e ela gostava de Lúcia por causa disso.
- Entra Lú, senta, se acalma...
Percebi que nossa noite de beber e escutar música estava acabada, agora seria a noite da choradeira.
- Ai gente, obrigada! Ele disse que nunca mais queria me veeeeer! – e lágrimas vertiam.
Aos poucos, começamos a fazer com que ela tomasse algum anestésico moral (vodka), e aos poucos foi se acalmando. Eu, por minha vez, tinha alguns charutos em casa, e acendi um enquanto escutava a conversa das duas.
- Lú, não fica assim, homens são todos iguais...
- Não são não! Olha o Campe! Vocês estão sempre juntos, ele te trata tão bem. Ta que ele bebe um pouco, mas...
Demorou pra sobrar pra mim, mas mesmo assim, resolvi dar a minha contribuição:
- Não se engane Lú, de santo, tenho só a cara – e dei um sorriso que beirava ao simpático.
Algum tempo depois, ela já falava um pouquinho mais arrastado, mas o assunto era o mesmo:
- Ai, Fábio... Por que eu não tenho um homem bom como o Campe, Clara?
Eu e ela apenas nos olhávamos e ríamos um para o outro com o olhar. Mais algum tempo depois, ela já estava apenas resmungando e com o farol baixo:
- Gente, preciso dormir...
- Campe, leva ela pro quarto de hóspedes? Eu vou lá pegar um balde pra deixar do lado da cama dela, pra qualquer emergência noturna.
Levantei e coloquei o braço esquerdo dela por cima dos meus ombros, servindo de apoio para o andar trôpego dela:
- Ai Campe! – e deu um beijo em meu pescoço – quando eu vou arranjar um homem como você?
- Lú... já te falei que...
Com um golpe de corpo, ela me empurrou contra a parede e colou seu corpo ao meu, enfiando sua língua em minha boca e sua mão na região da minha virilha. Pego de surpresa com isso, demorei cerca de três ou quatro segundos para tirar a mão dela de lá e, puxando seu ombro direito, descolando-a de mim.
- Não Lú.
- Por que Campe?
- Lú, não seria o momento, o dia, ou mesmo o ano certo...
Deixei-a na cama, e ela imediatamente dormiu. Ao me virar para sair, dou de cara com Clara.
- Faz tempo que você tá aí?
- O suficiente.
- Escuta, não foi culpa minha...
- Sim, eu vi, como te falei, foi o suficiente. Você não fez nada, mas ela... Amanhã vou ter que falar com ela!
Olhei inquisitivamente pra ela:
- Falar por que?
- Ora Campe! Como por que? Ela te agarrou!
- E daí?
- Como assim e daí? Ela te agarrou! Meu namorado, na minha casa!
- Clara, ela tava bêbada e...
- Isso não é desculpa!
- E como eu tava falando, ela sempre foi assim. Tu sabes disso, tu até gosta disso nela.
- Sim, mas...
- Por que ela teria que mudar o jeito dela por ti? Essa é a essência dela. Tu, como uma boa amiga, tem que aceitá-la do jeito que ela é. Deverias ficar braba se eu tivesse continuado, e braba comigo ainda por cima...
Clara parou, pensou:
- Mas tu até que gostou né?
- E quem não gostaria de ser agarrado pela Lú? – ri – Eu ainda tenho alguns goles de Cutty, e dá tempo de ouvirmos alguma coisa, vamos?
- Vamos, vamos sim...