Estávamos eu e Clara uma noite qualquer na varanda do seu prédio. Isso acontecia mais ou menos umas duas semanas antes de eu pedi-la em casamento, e estávamos de bem um com o outro. Tínhamos acabado de fazer sexo, e estávamos nus na rede dela, banhados apenas pela luz de uma lua azulada que teimava em aparecer.
Eu bebia um oito anos e ela fumava seu eterno cigarro pós-sexo, e nada falávamos, apenas nos embriagávamos com a presença um do outro, com o calor de nossos corpos e aquela sensação maravilhosa de não ser obrigado a conversar se nada se tem pra falar.
Porém, melhor que ninguém, ela me conhecia. Eu me entregara, estava quieto por tempo demais, e com o olhar perdido demais.
Banzo.
- Que tu tem? – perguntou ela, circulando os dedos na minha barba.
- Nada não, divagando...
- Sobre...
Ela sempre arrancava as coisas de mim.
- Algumas coisas que aconteceram ultimamente.
- Entre a gente?
- Lógico que não Clara, entre a gente tá tudo legal. Outras coisas.
- Ui! Odeio quando tu se enrola assim! Fala logo! – ela logo perdia a paciência comigo.
- Calma! – tomei um gole - Nas coisas que aconteceram entre eu e os meus amigos.
- O que que tem?
- Ah Clara, tu sabe! O distanciamento que eu tive deles, esse tempo complicado que eu tive que morei fora, tudo isso...
- Tu ainda tá nessa? Campe... Enquanto não tirares isso da tua cabeça, e não for atrás deles, sabe que não adianta ficar remoendo. Só vai te dar uma úlcera isso.
- Eu sei, eu sei, já me disse isso uma centena de vezes... Mas eu tava pensando comigo e foi tu que quis que eu falasse.
- Já quer começar a brigar?
- Lógico que não...
Emudecemos ambos, quando ouvimos a porta da varanda do apartamento de cima se abrindo. Era o saxofonista anônimo. O vizinho de cima de Clara tocava sax na varanda algumas noites, e nas suas pausas, ouvíamos o barulho das pedras de gelo sendo giradas no copo. Suas músicas eram tristes, melancólicas, mas poderosas. Sempre ficávamos imaginando quem era ele. Se era um cara realmente triste, que vivia sozinho e ali dissipava sua miséria, sua tristeza, suas tendências suicidas, seja lá qual fosse o problema. Por outro lado, poderia ser um cara tranqüilo, com família, feliz, que gostava de músicas tristes. Eu e Clara sempre ficávamos com a primeira opção. Além de mais poética, combinava mais com a gente.
Ele começou a tocar um blues antigo, daqueles nascidos nos dormentes das estradas de ferro da Lousiana, e nos trouxe um certo alívio, pois nosso silêncio naquele momento era constrangedor.
Banzo.
- Clara...
Ela apenas me lançou um olhar reprovador, enquanto apontava com os olhos para cima. Eu entendi e fiquei quieto.
Don´t say I love you, because I won’t hold you
A música enchia o quarteirão naquela noite quieta, enquanto enchia minha cabeça ao mesmo tempo.
Clara então se virou, e começou a passar a mão ao lado da minha cabeça, correndo os dedos entre os meus cabelos. Além disso, me olhava nos olhos e enxergava coisas que só ela podia. Que só a ela eu mostrava. Meus medos, minhas fraquezas, as âncoras que amarravam a minha vida. Pra ela, eu desmontava minha casca, por mais que ela muitas vezes não demonstrasse se importar muito.
Ela tragava o cigarro, soltava a fumaça e mantinha um sorriso nos lábios, que eu, o tão esperto eu, não sabia dizer se era compaixão ou cinismo.
O tão corajoso eu não tinha coragem de perguntar.
- Nando – ela sussurrava – lembra daquela música “o tempo andou mexendo com a gente sim...” A gente muda querido...
- Mas é impossível que mudemos tanto.
- Não é o quanto mudamos, mas o que mudamos...
Clara, sempre ela.
Sempre tão odiosamente certa.
Tão bonita.
Tão ela.
Eu nunca a entendia, era preocupado demais com as minhas próprias vontades e necessidades, foi por isso que alguns dias depois a pedi em casamento.
Por não a entender, a perdi. Deus! Como pude ser tão estúpido? Tão egoísta? E mesmo tendo entendido, como pude persistir no erro?
Banzo filho da puta.
sexta-feira, 25 de abril de 2008
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